Última alteração: 2017-10-18
Resumo
Dentre a vasta produção literária do médico-escritor Miguel Miranda, esteticamente distribuída pelo género romance e subgéneros conto e literatura infantojuvenil, o objetivo deste trabalho propõe-se lançar um olhar pelos imensos contos, publicados e coligidos nas três obras Contos à Moda do Porto (1996 / 2014), Como se Fosse o Último (2004), e A Fome do Licantropo e outras histórias (2013), espreitando à vertente documental que neles existe. Normalmente colocados em cenários narrativos do espaço urbano, enredos e respetivas personagens, algumas com disfunções físicas ou colocadas à margem do perfil social comummente aceite, distribuem-se por quadros de diversidade que facilmente reconheceremos no quotidiano, mesclados embora por excentricidades comportamentais e de pensamento que excedem as expectativas do cidadão comum. A originalidade destas narrativas destaca-se pelo inusitado imprevisto e inopinada emoção, subitamente abaladas por soluções inóspitas e geralmente inverosímeis, mas sempre numa tensão demonstrativa que se adensa por um saber médico nas suas práticas clínicas. Dando-se relevo ao facto de as situações limite da vida humana não se articularem segundo a vontade de cada entidade, mas segundo um acaso, sempre improvável, imediatamente impraticável até, mas definidor de percursos que culminam na fatalidade que a personagem quase nunca espera, a presença do médico, os seus êxitos e constrangimentos espreitam nos contos de Miguel Miranda. Será essa perspetiva do escritor-médico que nos interessará registar, salientando o registo documental que maioritariamente expressa uma visão social do século XXI, definidora da relação do doente e da doença com o médico e com a sociedade onde se insere. Limitadas pela brevidade com que o enredo se expõe, própria da morfologia de que os contos se constituem, amor e morte são duas constantes a par do registo linguístico que tanto se oferece erudito, como em jargão, segundo códigos de grupos definidos nos vários paradigmas sociais. Tais características expõem quadros de realismo urbano que o leitor contemporâneo identifica, e que o leitor do futuro recolherá como documento histórico, mesmo que consciente de estar no plano da ficção. Ainda a morte, nos epílogos, aparece sempre de feição insólita diante da problemática instalada e nunca como a solução espectável, reafirmando a real inevitabilidade ontológica acerca da qual o autor não só ironiza como mesmo satiriza, concluindo sempre com uma gargalhada que também o leitor não contém. Finalmente, a presença e relação do médico com o doente nos contos de Miguel Miranda denotam modos e costumes que formatam um documento literário imutável, o qual o tempo arquivará na memória dos paradigmas sociais portugueses, desta região nortenha, da curva do século XX e primeiras décadas do século XXI.
Palavras-chave:
Miguel Miranda, médico-escritor, contos, modos e costumes, documento literário.