Faculdade de Letras da Universidade do Porto - OCS, MEDINFOR VI - A Medicina na Era da Informação

Tamanho Fonte: 
Em cada homem começa e termina a humanidade-Nuno Grande e a força do querer
Eugénia Aguiar-Branco Figueiredo

Última alteração: 2023-08-14

Resumo


A presente comunicação desenvolve uma abordagem biográfica ao percurso científico e cultural de Nuno Grande, médico, professor universitário, investigador e cidadão interveniente. Importante salientar, para uma melhor contextualização do tema, que o trabalho apresentado assenta numa nova conceção da narrativa biográfica em consequência da evolução do próprio conceito. É esse o sentido mais profundo da expressão viragem biográfica – “biographical turn” – que tem sido proposta por diversos autores e com a qual nos identificamos. Há, hoje em dia, um interesse acrescido pelas biografias de intelectuais e cientistas no sentido de se compreender o universo mental em que decorrem as evoluções e as rupturas do pensamento científico e o seu reflexo na sociedade. Por isso, esta apresentação poderá ser mais um contributo para o crescimento da narrativa biográfica. A expressão “nova biografia” é também convocada como símbolo de um novo paradigma, a captação do “homem comum” mas também o “ homem múltiplo”, como nos diz Sabina Loriga. A identidade de qualquer individuo é plural, heterogénea, polimorfa. Nenhuma vida é linear e as narrativas que a procuram construir têm de conseguir dar conta da complexidade dessa trama. É segundo estes princípios que construímos a nossa representação biográfica de Nuno Grande, homem de ciência e de cultura, e que procuraremos dar a conhecer um pouco.

Procurou-se desenhar o itinerário do percurso de vida de Nuno Grande com o propósito de evidenciar o seu espirito altruísta e de sensibilização para com os problemas da sociedade e, ainda, a sua visão e sentido de futuro para a humanidade.

Numa primeira análise iremos salientar que o seu espirito criativo e de homem com visão de futuro traçaram o seu percurso de vida que alicerçou em dois vectores essenciais: o saber inter e multidisciplinar do conhecimento, o espirito de cruzamento de saberes e abertura aos vários conhecimentos e a sua interligação, e a força intrínseca do ser humano. Estes serão, na perspectiva do nosso biografado, os pilares fundamentais para formar o “homem de corpo inteiro” que só assim poderá firmar-se e afirmar-se como cidadão pleno. Com esta análise pretende-se trazer alguma fundamentação ao seu lema de vida “O médico que só sabe de medicina nem de medicina sabe”. Construindo uma medicina em diálogo com as outras disciplinas – o médico tem que ir mais longe.

No seu sentido mais abrangente- que iremos explanar no decorrer da exposição- iremos analisar a versatilidade de Nuno Grande, evidenciando o homem do teatro e a sua paixão pelas artes performativas, dando destaque ao Teatro Universitário de Porto, do qual foi dirigente, o melómano que tinha uma paixão pelos “clássicos” e o desportista, adepto do Boavista Futebol Clube.

Pretendemos, ainda, desenhar o itinerário do percurso de vida de Nuno Grande evidenciando o seu espirito altruísta e de sensibilização para os problemas da sociedade. Alguém que promoveu instituições e se envolveu na polis, no sentido mais nobre do termo. E essa participação é bem retratada em Nuno Grande o “cronista” quando se analisam alguns dos artigos que escreveu no Jornal de Noticias, nos anos oitenta e noventa do século XX, artigos esses que versam uma multiplicidade de temáticas: ecologia, saúde pública, educação, cultura, identidade portuguesa,  regionalização, lusofonia, cooperação, solidariedade e  tecnologia, questionando e especulando o papel do homem e dos governantes no seio da sociedade moderna. Nos 2 volumes da colectânea de crónicas publicadas pelo nosso biografado e intitulada “Entre mim e os outros” o pendor humanista do pensamento de Nuno Grande sai reforçado. Como articulista, Nuno Grande espraia-se por temas que se estendem muito para além da sua formação académica, demonstrando, mais uma vez, o seu sentido crítico, a versatilidade da erudição e a forte consciência politica, social e cívica.

Reflectiremos, ainda, sobre a acção de Nuno Grande como um homem de causas e de intervenção cívica em diversos domínios, em que salientamos: cooperação internacional, participação política, intervenção cultural, defesa do ambiente, educação e saúde.

Iremos ainda realçar o seu papel de “fazedor” na criação do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Num clima de grande agitação social que se vivia em Portugal- Verão Quente de 1975 – Nuno Grande vai concretizar o seu sonho de criação de uma nova escola médica. Com Corino de Andrade, Ruy Luís Gomes, Aloísio Coelho, João Monjardino, Neves Real e Pereira Guedes nasce o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Uma escola que surge na linha de continuidade do pensamento de Abel Salazar e Corino de Andrade e materializada por Nuno Grande. Uma escola inovadora, multidisciplinar e multiprofissional na área das ciências da vida. Uma Escola que ainda hoje assenta os seus princípios de actuação tendo por base o pensamento dos seus mentores e que a distingue no seio da universidade portuguesa.

Como investigador, Nuno Grande liderou projectos de investigação científica, relacionados com a estrutura e a função do sistema linfático, com a depuração pleuropulmunar de partículas inaladas e com a doença vibroacústica e foi, também, autor de inúmeros artigos de âmbito nacional e internacional.

Anatomista, investigador no exercício da prática da medicina experimental (importância do espaço cientifico promovido em laboratório), os seus trabalhos incidiram sobretudo sobre o pulmão e o aparelho respiratório em geral; no sistema linfático e, ainda, na anapofisiologia cardíaca.

Desempenhou cargos relevantes em algumas das organizações de âmbito cultural educacional e científico, nacionais e internacionais, que são o reconhecimento do seu prestígio científico: Presidente da Sociedade de Anatomia da África Austral, Membro do Painel Científico da Nato, Consultor do Banco Mundial na área da Saúde e Ensino Médico, fundador da Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, Presidente do Conselho de Administração da Fundação Casa da Cultura da Língua Portuguesa e Presidente da Associação Divulgadora da Casa-Museu Abel Salazar, entre outras.

A finalizar “deixaremos” a reflexão que tantas vezes Nuno Grande abordou do homem como um ser bio+psico+social. Em 1957, Nuno Grande concluía o seu curso e as suas primeiras publicações são paradigmáticas, salientamos um dos seus primeiros artigos que publicou na revista “o Médico” e a que deu o título “ A posição social do investigador científico” onde mostra já as preocupações sociais e éticas que tinha, alguém que começa a investigar e que já está preocupado com o impacto social da sua vida. Alguém que tem uma preocupação constante com o outro numa atitude de entrega. Alguém para quem a investigação exigia independência espiritual, dedicação, espirito de sacrifício e de renúncia, associando uma sólida formação humana e técnica. Assim será ao longo da sua vida como Homem.

E é partindo destas premissas e do perfil híbrido de Nuno Grande que disponibilizaremos uma partilha alargada do seu ideário, ficando sempre aberto o caminho para reflexões futuras, pois a sua obra é intemporal e o seu pensamento estende-se muito para além do seu tempo- é universal.

 

.