Faculdade de Letras da Universidade do Porto - OCS, MEDINFOR VI - A Medicina na Era da Informação

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Regulamentação da Inteligência Artificial
Mariana Basto Matos

Última alteração: 2023-08-14

Resumo


Este paper tem como intuito enquadrar a Inteligência Artificial (IA) a nível jurídico, debatendo as vantagens e desvantagens da sua aplicação no âmbito dos cuidados de Saúde. Num momento em que a IA é um assunto da ordem do dia, tornar-se fulcral estabelecer limites legais como forma de salvaguardar os direitos dos cidadãos que, não raras vezes, vêem os seus dados usurpados e usados como fonte de negócio para muitas empresas da área tecnológica.

Baseado no levantamento do estado da arte sobre a IA na área da saúde, incluindo a literatura disponível na base de dados da PubMed, para identificação das questões legais mais candentes, o paper procede a um levantamento e análise da legislação em vigor ao nível europeu e nacional.

Principais questões e resultados esperados

A introdução de novas tecnologias no mercado levanta problemas jurídicos de difícil resolução. O Direito não consegue acompanhar a velocidade ultrassónica do desenvolvimento da IA, acarretando lapsos temporais em que os cidadãos não estão protegidos nem vêem os seus direitos salvaguardados. Por outro lado, emergem questões éticas, incitando a um debate das mesmas.

Na saúde, a IA tem vindo a ser usada com o intuito de ajudar na tomada de decisão médica, introduzindo melhorias na prestação de cuidados. Destaca-se a presença de quiosques de admissão dos doentes nos hospitais. Recorre-se a novos dispositivos (wearables) que permitem monitorizar dados relevantes, como seja a qualidade do sono, frequência cardíaca, oxigénio no sangue… Através desta recolha é possível gerar acções com impacto directo na saúde do utilizador do aparelho, como seja uma descarga elétrica de um desfibrilhador ou variar a dosagem medicamentosa. Estas informações, captadas através do telemóvel, podem manter o médico informado sobre a evolução do estado clínico do utente, realizando ajustes sempre que necessário. Há a introdução de robôs (caso do Mabu) com o intuito de captar dados sobre o estado dos pacientes e ajudá-los a lidar com a doença. São inúmeras as potencialidades da IA na saúde, facilitando o trabalho dos profissionais de saúde no diagnóstico e tratamento. O uso do DeepMind para a análise automática de imagens oftalmológicas tem ajudado no diagnóstico e avaliação do quadro clínico, podendo ser aplicado a outras especialidades.

Como desvantagens há a registar a colecta e uso indevido de dados, a intromissão na reserva da vida privada e íntima dos pacientes. Se as bases de dados não forem devidamente protegidas, acautelando o sigilo, dificultando o acesso ao público, a sua divulgação provoca graves consequências, nomeadamente o condicionamento ou recusa por parte das seguradoras na subscrição de seguros de saúde. Podem também ocorrer eventuais falhas nos robôs ou meios de diagnóstico, introdução de algoritmos que, através de aprendizagem automática, introduzem vieses nas respostas e podem implicar a administração de um fármaco errado ou em doses excessivas.

Numa Era em que a competitividade e a busca incessante do lucro leva a que as empresas tecnológicas se tentem destacar para ganhar margem no mercado, a recolha extensiva de dados é o objectivo fulcral para alimentar os algoritmos e dar origem a novas plataformas de IA, descurando questões éticas importantes. Posto isto, urge regular a introdução da IA no mercado, bem como proteger os dados pessoais, de modo a que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam assegurados.

Há um longo caminho a percorrer pelas instituições europeias, mas também pelos Estados-Membros no que toca à regulamentação. Actualmente existe uma Proposta de Regulamento do PE e do Conselho que estabelece regras harmonizadas em matéria de IA. Esta pugna por controlar os riscos associados ao seu uso, estabelecendo regras harmonizadas para a sua colocação no mercado, monitorização e vigilância, proibindo iniciativas e soluções de impliquem um risco inaceitável. A iniciativa é insuficiente face às exigências actuais. A temática continua em discussão.

A IA alimenta-se de dados que são gerados e recolhidos, daí ser fulcral a aplicação do Regulamento Geral da Protecção de Dados (Regulamento (UE) 2016/679 do PE e do Conselho - RGPD), o qual delimita o tratamento, acesso e uso de dados pessoais, nomeadamente os sensíveis. Estabelece regras para a segurança dos dados pessoais, bem como direito a indemnização em caso de violação do RGPD. O diploma tem que ser conjugado a nível nacional com a Lei nº 58/2019 de 8 de Agosto que assegura a execução do RGPD e a Lei nº 12/2005 de 26 de Janeiro relativa à informação genética pessoal e informação de saúde.

A criação do Comité Europeu para a Protecção de Dados denota claramente uma tentativa comunitária de salvaguardar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, bem como criar algumas barreiras à recolha selvagem e desmesurada de dados sem o consentimento dos seus titulares.

Este paper pretende fazer uma análise das respostas legais e regulamentares e/ou da sua ausência, mediante os problemas e áreas de debate anteriormente apresentadas.

Conclusões

A IA é alimentada com dados muitas vezes sensíveis, cuja recolha e uso indevidos geram graves danos aos seus titulares. A perda de confidencialidade dos dados armazenados não pode ser vista como uma ponderação de custo benefício, em que os interesses de empresas privadas se sobreponham aos direitos dos cidadãos. A usurpação de dados viola direitos constitucionalmente consagrados, tais como: bom nome, honra, reputação, privacidade, inviolabilidade da correspondência. Pode ainda configurar um crime de falsa identidade.

A IA na saúde, quando aplicada em prol dos doentes com a salvaguarda dos seus direitos fundamentais, com o respeito pela reserva da vida privada e protecção dos dados pessoais, é benéfica. É possível identificar, prevenir, tratar patologias com base em softwares de aprendizagem automática. Podem-se incrementar programas de promoção da saúde, apostando na prevenção, combatendo comportamentos nefastos à saúde.

A UE tem sido pioneira no debate e tentativa de regulamentação destas questões. Verifica-se um esforço das instituições de controlar o uso, combatendo a implementação de IA que implique um risco inaceitável para os seus utilizadores. Todavia as iniciativas continuam aquém das exigências e a temática continua em aberto. 

Palavras-chave: Inteligência Artificial; Saúde; Legislação; Protecção de dados