Faculdade de Letras da Universidade do Porto - OCS, MEDINFOR VI - A Medicina na Era da Informação

Tamanho Fonte: 
Infodemia e obesidade
Adriana Aguiar Aparício Fogel, Patrícia Padrão, José Azevedo

Última alteração: 2023-08-14

Resumo


Infodemia é uma torrente de informações propagadas junto a uma epidemia. Não é um fato novo, mas os seus danos destacaram-se durante a COVID-19. A pandemia evidenciou a influência das novas tecnologias e das redes sociais na saúde global (WHO, 2020).

Abrandar a infodemia é compromisso coletivo. O volume de conteúdos disponíveis pode abalar a confiança na ciência e pôr a saúde em risco (WHO, 2020; Burki, 2022). A Nutrição é um campo particularmente suscetível, fato relacionado à sua popularização. Ao atrair a atenção dos media e dos consumidores, mergulha num contexto de oportunismo, e até de fraude, facilitado pela baixa literacia científica e pela forma rápida e sucinta com que se difunde a informação (Garza et al., 2019).

Quanto à obesidade, apesar da evidência científica de que ela é uma doença crônica causada por múltiplos fatores (fisiológicos, genéticos, sociais, ambientais), ela é comumente propagada como uma responsabilidade individual. Há a crença de que sua solução é simples, bastando diminuir a ingestão de energia e aumentar o gasto. Isso inibe a criação de políticas efetivas ao seu combate; incita abordagens estigmatizadas e errôneas nos media; prejudica o investimento em pesquisas e retrai a disponibilização de abordagens que considerem sua complexidade (Brown et al., 2022).

Assim, vê-se uma prevalência crescente da doença. Com status de epidemia, ela acontece simultaneamente à subnutrição e às alterações climáticas. Juntas, elas formam a Sindemia Global, em que o sistema alimentar é agente comum. Liderado por multinacionais de grande poder junto aos governos, o sistema alimentar atual é rico em itens compostos por ingredientes baratos e de baixo valor nutricional. Muitos destes são ultraprocessados, produtos cujos efeitos danosos à saúde individual e do planeta têm sido documentados (Swinburn et al., 2019).

Há uma onipresença destes itens. Os media e os gigantes alimentares se retroalimentam, com estratégias de comunicação globais e lucratividade compartilhada (Hawkes, 2006). O marketing alimentar é de difícil regulação e tem contribuído negativamente para a alimentação dos povos (WHO, 2021).

Além dos desafios relacionados às multinacionais, que incluem lobbies e patrocínio de pesquisas com potenciais vieses (Nestle, 2019), há outros. Pessoas sem formação em saúde fazem recomendações sobre dietas e exercícios nas redes sociais, com impactos nos seguidores (Recio Moreno et al., 2023). Ademais, os media tendem a privilegiar o apelo popular em detrimento à qualidade dos artigos que optam por divulgar. (Selvaraj et al., 2014).

A fim de criar uma metodologia de análise que demonstre a complexidade de qualquer campanha e as dificuldades em realizar uma estratégia de comunicação efetiva, utiliza-se como exemplo uma iniciativa da Direção Geral da Saúde. A campanha visou promover a mobilização e capacitação para opções de alimentação saudável no dia a dia de cada pessoa (SNS, 2023), mas o slogan "Eu escolho comer bem" parece reforçar estereótipos e contribuir para a responsabilização individual. A abordagem simplista desconsidera as complexidades e barreiras sociais que influenciam tais escolhas, como o ambiente alimentar, o custo de vida e os desafios enfrentados no cotidiano. Portanto, é necessário analisar criticamente as representações sociais presentes nos slogans e desenvolver estratégias comunicacionais sensíveis às realidades dos sujeitos.

Investir no desenvolvimento de literacias (científica, mediática, da saúde, alimentar) é essencial. Os cidadãos devem ser capacitados para ampliar sua participação nas políticas de saúde (Araújo & Cardoso, 2007). Devem ser proativos e atuantes, capazes de fazer análises críticas, criar conteúdos, denunciar informações falsas e compartilhar apenas as que são baseadas em evidências científicas. Espera-se também que tenham conhecimento sobre negociação política e apoiem iniciativas que visem eliminar iniquidades e valorizar a ciência (Guimarães, 2016; Lewis, 2018; Martens & Hobbs, 2015). O avanço do conhecimento em Nutrição exige a atualização de orientações e isso não deve ser fator de ameaça à credibilidade científica (Garza et al., 2019).

Apesar do progresso do conhecimento alimentar e nutricional, a prevalência da obesidade ainda cresce. Objetivou-se contribuir para essa discussão. O estudo de caso evidencia como um slogan pode inadvertidamente contribuir para a responsabilização dos indivíduos. A mitigação das desigualdades requer consciência cidadã. Assim, defende-se investir em literacias que desenvolvam competências individuais, ao mesmo tempo que se luta pelo bem-estar coletivo.

Infodemia; Obesidade; Comunicação e Saúde.

Referências

Araújo, I., & Cardoso, J. (2007) Comunicação e Saúde.

Brown, A., et al. (2022) Pervasiveness, impact and implications of weight stigma. EClinicalMedicine,47,101408.

Burki, T. (2022) Social media and misinformation in diabetes and obesity. The Lancet Diabetes & Endocrinology,10(12),845.

DGS (2023). instagram.com/p/CpcbqvRtNYJ.

Garza, C., et al. (2019) Best practices in nutrition science to earn and keep the public's trust. AJCN,109(1),225-243.

Guimarães, M. (2016) Determinantes sociais de saúde: o papel da informação e da literacia em saúde. In Z. Duarte, O. Pestana & C. Abreu (Org.) Informação e Saúde: percurso de interdisciplinaridade,177-188.

Hawkes, C. (2006) Uneven dietary development: Linking the policies and processes of globalization with the nutrition transition, obesity and diet-related chronic diseases. Globalization and Health, 2(1),1-18.

Lewis, T. (2018) Digital food: From paddock to platform. Communication Research and Practice, 4(3),212-228.

Martens, H., & Hobbs, R. (2015) How media literacy supports civic engagement in a digital age. AJC, 23(2),120-137.

Nestle, M. (2019) Food Politics: How the Food Industry Influences Nutrition and Health.

Recio Moreno, D., et al. (2023) Impact and engagement of sport & fitness influencers: A challenge for health education media literacy.Online Journal of Communication and Media Technologies,13(1),e2023xx.

Selvaraj, S., et al. (2014) Media coverage of medical journals: do the best articles make the news?PLoS One, 9(1),e85355.

SNS (2023) bit.ly/SNS3mar23.

Swinburn, B. A., et al. (2019) The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. The Lancet, 393(10173),791-846.

WHO (2020) Call for Action: Managing the Infodemic.

WHO (2021) Future steps to tackle obesity: digital innovations into policy and actions.