Faculdade de Letras da Universidade do Porto - OCS, MEDINFOR VI - A Medicina na Era da Informação

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PARA ALÉM DA MEDICINA: OS ARQUIVOS MÉDICOS CUSTODIADOS PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Ana Cláudia Cruz Córdula, Carla Maria de Almeida, Jefferson Higino Silva, Taina Pereira Lobo

Última alteração: 2023-08-14

Resumo


No Brasil, nos séculos XIX e XX, os homens pertencentes às classes sociais mais abastadas frequentemente ocupavam profissões prestigiosas, como a Medicina, Direito e Engenharia. Além de suas atividades profissionais, esses homens também dedicavam-se aos aspectos culturais e intelectuais, alimentando seus interesses pessoais no campo da arte e da erudição. Essa dedicação às atividades humanísticas resultou na formação de diversos acervos pessoais de relevância social, destacando-se pelo seu envolvimento com as artes e a cultura. Gomes e Hansen (2016) atribuem a esses homens o papel de "intelectuais mediadores", considerando-os como "guardiões da memória" por acumularem objetos e produzirem registros sobre aspectos sociais do seu contexto histórico. Neste artigo, iremos explorar dois médicos que exemplificam essa realidade: José Simeão Leal e Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega. Embora tenham seguido carreiras médicas ao longo de suas vidas, eles construíram, por meio de seus arquivos pessoais, um acervo cultural de valor significativo. Os arquivos desses médicos foram doados e estão atualmente sob a custódia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Além de representarem uma espécie de "vetor autobiográfico" (MCKEMMISH, 2013, p. 24), esses arquivos pessoais constituem verdadeiros cenários - baús de memórias - que revelam documentos testemunhais das interações pessoais, atividades e contexto social nos quais essas personalidades estavam imersas. Esses acervos pessoais permitem-nos explorar as múltiplas facetas de suas experiências e existências, bem como a construção da memória - uma forma de preservar um lugar tanto no presente quanto no futuro, como bem destacado por Mckemmish (2013).  Assim, nos arquivos pessoais, além de encontrarmos evidências das características únicas e do caráter individual dos criadores desses registros, também temos uma visão mais profunda da alma e da personalidade dessas pessoas, bem como do seu envolvimento público em atividades e interações formais. (HOBBS, 2001). No caso específico dos arquivos pessoais dos médicos, é possível perceber a dedicação e o comprometimento desses intelectuais em diferentes áreas de interesse. Por meio desses arquivos, temos a oportunidade de conhecer as diversas facetas dessas personalidades para além do jaleco branco, e refletir sobre como eles enxergavam e se relacionavam com os aspectos culturais que os cercavam. Nesse contexto, merece destaque o projeto de pesquisa intitulado "Cartografia dos Arquivos Pessoais na cidade de João Pessoa (PB): acervos, instituições e memórias", o qual teve como objetivo mapear os arquivos pessoais existentes na cidade de João Pessoa, Paraíba. Durante o levantamento, identificou-se um total de 52 acervos, dos quais 49 são pertencentes a homens, enquanto apenas três são de mulheres. Esse desequilíbrio evidencia a disparidade na representação dos arquivos pessoais femininos na região. A UFPB é responsável pela custódia de 9 desses arquivos pessoais, incluindo dois de renomados médicos: José Simeão Leal e Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega. Essas personalidades tiveram uma contribuição significativa não apenas no cenário cultural e literário da Paraíba, mas também em todo o Brasil. José Simeão Leal, nascido em Areia (PB) em 13 de novembro de 1908 e falecido no Rio de Janeiro em 6 de julho de 1996, iniciou seus estudos de Medicina na Faculdade de Medicina de Recife em 1926, mas concluiu seu curso na Universidade do Rio de Janeiro. Ele se tornou médico adjunto do Hospital Escola de São Francisco de Assis. Além de sua dedicação à medicina, José Simeão Leal também se envolveu em atividades profissionais relacionadas ao seu interesse pessoal: a cultura. Ele foi diretor do Serviço de Documentação do Ministério de Educação e Saúde até 1955, sendo responsável pela divulgação de diversos talentos, incluindo a renomada escritora Clarice Lispector. Nessa posição, ele se tornou o primeiro editor público do Brasil, sendo responsável por coleções como Cadernos de Cultura e Vidas Brasileiras. Seu arquivo pessoal abriga um rico acervo com diversos gêneros documentais que expressam sua relevância e atuação no campo cultural. Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega, nascido em 3 de fevereiro de 1912 em João Pessoa e falecido em 18 de junho de 1988, formou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia. Na UFPB, durante a década de 1950, ocupou cargos como Catedrático de Higiene da Faculdade de Medicina, vice-diretor da Faculdade de Medicina, Odontologia e Farmácia da Paraíba, diretor da Faculdade de Medicina e Escola Anexa de Enfermagem, além de ter sido vice-reitor e reitor da instituição em décadas subsequentes. Ele dedicou sua trajetória de pesquisador à escrita sobre a história da Medicina paraibana. Além disso, por meio dos documentos de seu arquivo pessoal, é evidente seu interesse pelos aspectos arquitetônicos de João Pessoa e pela literatura, especialmente pelo escritor Augusto dos Anjos, de quem foi um fervoroso colecionador. Seu arquivo foi doado à UFPB por sua família e inicialmente foi transferido para a universidade privada UNIPÊ, mas posteriormente retornou à custódia da UFPB. Atualmente, o arquivo está temporariamente inacessível, aguardando a conclusão das obras de reforma do edifício onde está localizado. Os arquivos pessoais desses médicos revelam perfis híbridos, homens que combinam sua atuação clínica profissional com um interesse e dedicação ao campo das artes e da cultura. Esses arquivos pessoais revelam aspectos memoriais não apenas dos titulares, mas também dos aspectos socioculturais que os cercavam. Eles "falam" não apenas de seus proprietários, mas também de seu contexto, dos interesses e costumes que os alimentavam e preservavam.

Palavras-chaves: Arquivos Pessoais de Médicos; José Simeão Leal; Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega; memória social; patrimônio documental.



REFERÊNCIAS

GOMES, Ângela de Castro; HANSEN, Patrícia Santos. Intelectuais, mediação cultural e projetos políticos: uma introdução para a delimitação para o objeto de estudo. In: GOMES, Ângela de Castro; HANSEN, Patrícia Santo. Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, p.7-37.

HOBBS, Catherine. The Character of Personal Archives: Reflections on the Value of Records of Individuals. Archivaria, v.52, n.1, p. 126-35, 2001.

LACET, Rosane Coutinho Pereira. Humberto Nóbrega: um homem entre livros. 89fl. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biblioteconomia), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.

MCKEMMISH, Sue. Provas de mim...Novas considerações. In: Arquivos Pessoais: reflexões multidisciplinares e experiências de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.


OLIVEIRA, Bernardina Maria Juvenal Freire de. José Simeão Leal: o editor público brasileiro. João Pessoa: Mídia Gráfica e Editora, 2018.