Faculdade de Letras da Universidade do Porto - OCS, MEDINFOR VI - A Medicina na Era da Informação

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Avaliação da acurácia da informação de saúde on line: Método e resultados
Andre Pereira Neto, Eduardo Castro Ferreira, Rodolfo Paolucci Pimenta, Leticia Barbosa Silva

Última alteração: 2023-08-14

Resumo


Vivemos em uma “sociedade em rede” (Castells, 1999). Estamos inseridos em um sistema comunicacional mediado por Tecnologias de Informação e Comunicação, onde as informações disponíveis, acessadas e compartilhadas na internet passaram a produzir um enorme impacto na sociedade, tanto no nível individual quanto nas formas de organização social. A saúde é um dos assuntos que mais desperta interesse dos internautas brasileiros (NIC-BR, 2022).

A informação de saúde com qualidade pode auxiliar na promoção da saúde e na prevenção de doenças, pois facilita o desenvolvimento de habilidades que conferem ao cidadão maior poder de decisão sobre sua saúde, favorecendo sua autonomia e autogestão do cuidado. Se estiver adequadamente informado, ele poderá tomar as providências necessárias para recuperar ou incrementar seu estado de saúde, sem que necessariamente precise procurar um serviço de saúde de modo imediato ou, dependendo da gravidade do seu caso, poderá ainda recorrer aos serviços de saúde e receber a atenção necessária em momento oportuno.  Assim a informação de qualidade pode salvar vidas! Por outro lado, informação falsa, incorreta, incompreensível ou desatualizada pode prejudicar a tomada de decisão e provocar sentimentos de apavoramento, ansiedade e paranoia. O acesso à informação de baixa qualidade pode ter consequências negativas para a saúde dos cidadãos, podendo levar a óbito.

O problema da qualidade da informação de saúde na internet tem despertado o interesse de alguns pesquisadores no mundo.

Em 2002, Eysenbach e colaboradores publicaram a primeira revisão sistemática sobre o tema. Tal revisão encontrou 79 estudos que realizaram avaliação da qualidade da informação em sites de saúde. Nestes estudos, Eysenbach e colaboradores (2002) encontraram 86 critérios diferentes de avaliação da qualidade da informação sobre saúde na internet. Cada um dos critérios é composto por um número distinto de indicadores. Os indicadores estão diretamente relacionados aos critérios. Eles são atributos observáveis associados a um site ou seu conteúdo, que servem como pistas sobre se um site ou seu conteúdo atende ou não a um determinado critério. Foram identificados cinco tipos de critérios diferentes. O primeiro, denominado de técnico, abrange a atribuição de responsabilidade e referência pela informação oferecida e a apresentação de datas de criação e atualização do site. O segundo, denominado design, avalia os aspectos estéticos do site como o layout, as cores e a facilidade de navegação. O terceiro critério envolve a abrangência da informação oferecida, verifica  se estão presentes todos os tópicos pertinentes ao tema de saúde-doença abordado. O quarto critério, denominado legibilidade, preocupa-se com o nível de compreensão do texto disponível online. A acurácia é o quinto critério, definido por Eysenbach e colaboradores (2002) pelo “grau de concordância da informação oferecida com a melhor evidência ou com a prática médica geralmente aceita” (Eysenbach e colaboradores, 2002:2695). A “melhor evidência”, nesta perspectiva, seria obtida nas obras de referência (textbooks) ou a partir do “consenso de especialistas” (expert consensus). Entretanto, não há garantias a priori de que o consenso empregado como referencial seja atual e correto, pois obras de referência e profissionais podem estar desatualizados ou opostos em relação às melhores evidências científicas, ou ainda apresentar opiniões e condutas que estejam em desuso.

Nesta comunicação apresentamos um método de avaliação da acurácia da informação baseado na melhor evidencia científica.

Alper e Haynes (2016) construíram um modelo, ilustrado por meio de uma pirâmide, constituído de 5 níveis. Na base da pirâmide, encontram-se os “estudos originais” que analisam casos específicos de alguma doença ou evento sanitário. No segundo estão as “revisões sistemáticas”, que reúnem centenas de artigos que abordam a mesma doença ou evento sanitário. No terceiro nível estão as sínteses ou “guidelines”: diretrizes que visam agilizar processos específicos de acordo com uma rotina definida ou prática consolidada. O quarto nível  é composto por “sumários sintetizados” para a referência clínica, baseados em evidências provenientes dos três níveis anteriores (estudo original, revisão sistemática e guideline).

Dynamed (https://www.dynamed.com/) é um dos melhores serviços disponíveis que reúne e disponibiliza um sumário sintetizado para a referência clínica baseado em evidências sobre diferentes doenças e fenômenos sanitários (Kwag et al. ,2016).

Utilizando o Dynamed, avaliamos a acurácia da informação sobre tuberculose e leishmaniose visceral (LV) presente no glossário “Saúde de A a Z” disponível no site do Ministério da Saúde.

Em relação à tuberculose, foram construídos e propostos 43 indicadores de acurácia da informação, dos quais 31 não estavam presentes. Há também informações que foram consideradas erradas. Uma delas está associada aos sintomas da tuberculose.

Na página do Glossário, consta que o principal sintoma da tuberculose pulmonar é a tosse com 3 semanas ou mais. O Dynamed assevera que a tosse por duas semanas, e não três semanas, é um dos sintomas de tuberculose, mas não o principal nem o único. Esta informação está baseada no documento oficial da Organização Mundial da Saúde, publicado em 2014 (World Health Organization, 2014).

Em relação à LV, foram construídos 20 indicadores. Das seis informações relevantes sobre transmissão da LV , apenas três estavam completas. Nenhuma das 5 informações sobre sintomas presentes no site do DynaMed estavam disponíveis no glossário do Ministério da Saúde. Na prevenção apenas 3 das 7 informações recomendadas estavam disponíveis. Nenhuma informação sobre tratamento está disponível no Portal “Saúde de A a Z”.

Perguntamos: Como o cidadão poderá identificar o inseto transmissor da doença se o site do Ministério da Saúde do Brasil destaca apenas que ele é pequeno, sem informar mais detalhes? Como o cidadão poderá se prevenir dessa doença se o glossário não destaca o comportamento silencioso e noturno do inseto transmissor? Como o cidadão poderá saber se está ou não contaminado se as informações sobre os sintomas típicos da doença estão ausentes?

O método de avaliação da acurácia da informação inspirado nas práticas da Medicina Baseada em evidências nos parece adequado e os resultados obtidos até o momento são, no mínimo, preocupantes.

 

Referencias Bibliográficas

Alper, B. S.; Haynes, R. B. EBHC pyramid 5.0 for accessing preappraised evidence and guidance. Evidence-based medicine, 2016.  21(4), p. 123– 5.

Castells M. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra; 1999.

Eysenbach G, Powell J, Kuss O, Sá E. Empirical studies assessing the quality of health information for consumers on the World Wide Web: a systematic review. JAMA 2002; 287(20):2691-2700.

KWAG, K. et al. Providing doctors with high-quality information: an updated evaluation of web-based point-of-care information summaries. Journal of Medical Internet Research. 2016. 18(1).

NIC-BR. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC-BR). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros: TIC Domicílios 2021. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. -- 1. ed. -- São Paulo : Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2022.

World Health Organization. International Standards for Tuberculosis Care. 3. ed. 2014. Disponível em:

https://www.who.int/publications/m/item/international-standards-for-tuberculosis-care.