Última alteração: 2023-10-28
Resumo
Tema III – Comunicação e Divulgação Científica
DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM SAÚDE: CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA PARA A CONSTRUÇÃO DE TEXTOS VIRAIS
Palavras-Chave: divulgação científica; informação em saúde; sociolinguística; redes sociais.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil acompanhou nos anos de 2019-2020 um aumento alarmante da produção e repercussão de notícias falsas. A agência de checagem Lupa[1] apresenta, por meio de ferramentas de filtragem e busca, o quantitativo de 1.604 notícias falsas que circularam nestes anos, sendo 501 no ano de 2019 e 1.103 no ano de 2020, representando um aumento 120%. Desse quantitativo, foi percebido que 651 notícias eram relacionadas ao contexto de desinformação sobre saúde (40%). É interessante perceber a configuração textual das referidas notícias, que contêm mensagens claras e objetivas e utilizam recursos metacomunicativos para melhor contextualizar sentidos textuais (imagens, vídeos, fontes altas, fontes grifadas, fontes em cores diversas), em contraste às produções voltadas à divulgação científica, cuja estrutura segue padrões tradicionais do jornalismo científico. Partindo dessa premissa, este trabalho apresenta como objetivo refletir possíveis contribuições modelares de aspecto sociolinguístico para a construção de textos de divulgação científica em saúde.
Apresentando o pressuposto crítico de que a frente multivariada[2] responsável pela divulgação científica está em crise por espaços e por adaptações discursivas adequadas aos novos formatos, mostra-se iminente a necessidade de discussões científicas compatíveis a essa realidade. Esforços voltados à midiatização e capilarização da produção científica não são fenômenos novos e se fazem necessários (MENDES; MARICATO, 2020), uma vez que atuam no processo de legitimação epistêmica (VÄLIVERRONEN, 2008). A partir da popularização das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) e da crise de confiança nas mídias tradicionais, as arenas de mediação entre público e ciência passam por um processo migratório dos meios de comunicação de massa para as redes sociais.
Uma contribuição teórica que se mostra prospectiva à promoção da divulgação científica é encontrada em Dijk (2013; 2020) e Koch (1996; 2015) que apresentam a necessidade de ligação sociocognitiva entre os interactantes e, na defesa da língua e do texto como lugar dialógico, afirmam que os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais e o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação.
Os estudos de abordagem sociocognitiva sobre discursos e contextos vão dialogar sobre os sistemas de conhecimento responsáveis pelo processamento textual e vão apresentar a importância de se resguardar/alcançar o conhecimento sociointeracional entre os interactantes de um texto. Esse é um conhecimento que diz respeito às ações verbais, sobre o reconhecimento das formas de interação (autor-leitor) por meio da linguagem.
Esse sistema de conhecimento é subdividido em: a) ilocucional, que permite o reconhecimento dos objetivos ou propósitos dos autores do texto/fala; b) comunicacional, que estabelece o reconhecimento da quantidade de informações necessárias para a reconstrução do objetivo do texto; c) metacomunicativo, que reconhece as ações linguísticas realizadas pelo locutor/autor para sanar, em alguma medida, lacunas de sentido, assegurando a compreensão e aceitação do texto; d) superestrutural, que permite reconhecer textos como exemplares de determinado gênero ou tipo.
A apresentação, quase modelar, de entendimento sobre o acesso aos sistemas do conhecimento responsáveis pelo processamento textual se mostra rica e potencialmente capaz de entender sobre práticas presentes no meio sociocultural em que vivem os interactantes, bem como possíveis estratégias de interação dotadas da capacidade de impulsionar a viralização de produções textuais (GUIMARÃES; LOPES, 2017).
2 MÉTODOS
Esta pesquisa é de natureza exploratória, apresentando uma abordagem qualitativa, (BUFREM; ALVES, 2020). Realizou-se um levantamento no site da “Lupa” da Uol, na seção de jornalismo>verificação. Para garantir a sistematização segura do levantamento no site Lupa (fact-checking), foram aplicados filtros, incluindo a categoria “verificação” e o intervalo de datas personalizado de 01/01/2019 a 31/12/2020, que foi o período temporal estabelecido para a análises subsequentes. Para a fundamentação de sínteses exploratórias relativas às contribuições da linguística para a divulgação científica, realizou-se uma pesquisa bibliográfica.
3 PRINCIPAIS RESULTADOS E CONCLUSÕES
Em sentido exploratório, verificou-se o potencial de repercussão viral de notícias falsas nos anos de 2019 e 2020. O aumento sensível de 120% deste tipo de mensagem denota, possivelmente, um regime de consumo/demanda e produção dessas notícias sinalizando compatibilidades sociointerativas presentes nesses textos. Sendo uma das finalidades da divulgação científica o combate à desinformação, a aplicação de estratégias sociolinguísticas de aproximação entre interactantes que visem garantir sentido e, ao mesmo tempo, compatibilidades científico-discursivas aos formatos presentes nas NTICs se mostram urgentes ao fenômeno da desinformação. A superação dos modelos tradicionais de divulgação da ciência deve se atentar à característica de replicação viral em diferentes contextos e veículos, considerando aqui grandes peças de divulgação científica e/ou de seus excertos (partes do texto), em que seja considerado necessidades de adequações relativas a dimensões ilocucional, comunicacionais, metacomunicativa e superestrutural das mensagens, sendo esses dois últimos os mais contextuais às configurações das redes sociais.
A produção de peças de divulgação científica apoiadas em princípios sociolinguísticos de produção textual potencializa sua capacidade de viralização. No entanto, uma construção estratégica, considerando o sistema de conhecimento sociointeracional e suas subdivisões, não apenas evita perturbações no entendimento, mas consegue adequar as produções às novas configurações e necessidades de midiatização e capilarização da ciência. Esse aspecto, como apontado, é contemplado pelas dimensões metacomunicativa e superestrutural, com a adaptação dos conteúdos aos formatos preconizados pelas redes sociais e com aplicação de recursos de multissemiose, como emojis, imagens e fontes variadas.
[1] Disponível em: https://lupa.uol.com.br/. Acesso em: 14 mai. 2023.
[2] Mídia/jornalistas científicos; divulgadores científicos independentes; instituições de ensino e pesquisa.