Última alteração: 2023-09-08
Resumo
Este paper tem como intuito abordar a cirurgia robótica, debatendo as vantagens da sua aplicação no âmbito dos cuidados de Saúde. Com o recurso cada vez mais intenso à Inteligência Artificial (IA), as cirurgias robóticas são uma realidade em diversos países e o seu uso é cada vez mais frequente. Todavia, levanta-se a questão de saber sobre quem recai a responsabilidade civil no caso do paciente sofrer um dano.
Baseado no levantamento do estado da arte sobre as cirurgias robóticas praticadas, incluindo a literatura disponível na base de dados da PubMed, o paper procede a uma análise da responsabilidade civil aplicável, na eventualidade do paciente sofrer um dano no decurso da cirurgia num hospital público.
Principais questões e resultados esperados
A introdução de novas tecnologias no mercado levanta diversos problemas éticos e jurídicos. Na saúde, a IA tem vindo a ser usada com o intuito de melhorar a prestação de cuidados. Actualmente recorre-se a cirurgia robótica com vista a aumentar a precisão com que a operação é realizada, em virtude dos braços do robô serem mais flexíveis do que a mão humana.
Amplamente difundido e utilizado nos Estados Unidos (EUA), o robô da Vinci, por exemplo, realizou cerca de 877 mil cirurgias em 2017. No Brasil, o Hospital Israelita Albert Einstein foi um dos pioneiros no seu uso. Neste país a escalada na aquisição e utilização do robô tem vindo a crescer, somando-se mais de 17 mil cirurgias robóticas realizadas. Na Península Ibérica, os dados apresentados em 2022 demonstram que a cirurgia robótica em geral aumentou 37% face a 2020, o que representa mais de 12 mil intervenções cirúrgicas.
Em Portugal, a aquisição do da Vinci tem sido uma preocupação por parte dos hospitais, contando-se a sua presença no da Luz (Lisboa e Arrábida), Fundação Champalimaud, Curry Cabral, Lusíadas, CHUSJ.
A maior flexibilidade dos punhos do robô, capacitados para girar a 360o, possibilitam a realização de cortes e suturas com elevada precisão. São inúmeras as vantagens descritas na literatura, nomeadamente a possibilidade de reduzir o tempo de internamento, minorar complicações pós-operatórias, a recuperação dos pacientes é mais célere, impactando na distribuição de recursos humanos e materiais. Apesar disto, o seu uso pode acarretar dúvidas no que concerne à responsabilização dos danos sofridos pelo lesado. Em virtude de diversos litígios ocorridos nos EUA e pela tentativa dos profissionais de saúde, hospitais utilizadores e fabricantes se ilibarem das responsabilidades que lhe são devidas, urge discutir a temática, compreendendo de que forma o paciente pode ver os seus direitos salvaguardados.
O art. 9o/3 da Lei no 27/2021, de 17 de Maio consagra que o uso de robôs tem que respeitar os princípios da beneficiência, não-maleficiência, respeito pela autonomia humana, pela justiça e pelos princípios e valores do art. 2o do TUE.
O paciente tem que prestar o seu consentimento livre e esclarecido, após ter sido informado de todas as possíveis complicações que podem advir deste tipo de procedimento.
Nos robôs da Vinci foi acoplada uma espécie de “caixa negra”, denominada de dVLogger, a qual grava metadados e vídeo durante as cirurgias. Esta pode ser benéfica no sentido de salvaguardar os médicos ou os fabricantes, já que permite visualizar se durante o seu uso se cometeu um erro de manuseamento ou se há um defeito técnico. Todavia, esta gravação, dependendo dos moldes em que é feita pode levantar problemas ético-jurídicos, nomeadamente a violação de direitos de personalidade, incluindo-se o direito à imagem e privacidade.
A questão que me proponho reflectir, está longe de ser linear, não havendo uma solução que, formulada em abstracto, vá resolver todos os casos. É preciso analisar o caso concreto, verificar as especificidades, intervenientes e requisitos da responsabilidade civil expostos no Código Civil (CC). Neste paper tento compartimentar alguns dos cenários possíveis, mostrando propostas de resolução.
Apesar dos robôs possuírem características de adaptação ao meio ambiente, recorrendo a mecanismos de autoaprendizagem e uma crescente autonomia, não
parece fidedigno afirmar o preenchimento dos requisitos necessários para a atribuição de personalidade jurídica, daí que essa teoria seja de afastar. Os robôs não podem ser equiparados ao ser humano, na medida em que faltam sentimentos e uma componente ética. A responsabilizar-se um robô por um dano causado, caminharíamos para uma ausência de responsabilização.
Se o dano causado ao paciente se deveu a um defeito do robô, será responsabilizado o seu fabricante. Haveria responsabilização deste pelo produto defeituoso e responsabilidade pelo risco. Podem ainda existir vários intervenientes no processo de fabrico do software e hardware, os quais poderão ser também responsabilizados de forma solidária. Para além disto, o lesado poderia ainda intentar a acção contra a seguradora em litisconsórcio.
Se houver dano em virtude do acto médico, com a violação das legis artis ou actuação negligente, a responsabilidade recai sobre o médico. Se o dano decorrer de uma falha na regulação do robô ou inadequada esterilização dos seus instrumentos, apura-se a culpa dentro da equipa de enfermagem destinada a esta verificação. Nestes dois casos, o hospital também responderá solidariamente.
Se o dano decorrer de erro na manutenção do equipamento, a empresa contratada para o efeito responderá civilmente, exercendo o direito de regresso sobre o agente que concretamente não cumpriu os seus deveres.
Conclusão
A cirurgia robótica continua em expansão, sendo cada vez mais utilizada em instituições de saúde públicas ou privadas.
Há sentenças que relatam eventos adversos nos EUA e Brasil. Em Portugal estas questões começam a ser analisadas, não havendo uma resposta abstracta que sirva de resolução em qualquer circunstância. É preciso analisar sempre o caso em concreto, verificando os requisitos da Responsabilidade Civil patentes no CC.
A responsabilidade pode recair sobre o fabricante no caso de existir um defeito no robô; no médico se o dano ocorreu em virtude de actos médicos; no enfermeiro que não verificou se o robô estava apto para a realização da cirurgia ou nos técnicos que realizaram a sua manutenção.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; dano; cirurgia robótica