Última alteração: 2024-08-06
Resumo
INTRODUÇÃO: O crescimento da Inteligência Artificial (IA) tem potencializado a reformulação do campo da saúde, fortalecendo a prestação de cuidados ao paciente e melhorando o uso da tecnologia na Medicina. Algumas aplicações mais recentes incluem aprimoramento de diagnóstico e atendimento clínico, análise automatizada de dados genéticos, aperfeiçoamento da pesquisa em saúde, desenvolvimento de novos medicamentos e assistência na implantação de diferentes intervenções na saúde pública, como vigilância e prevenção de epidemias, respostas a surtos e melhoria no gerenciamento de sistemas. A IA também pode beneficiar países como o Brasil que, além de possuir o Sistema Único de Saúde (SUS) de abrangência pública no atendimento à população - mais de 200 milhões de pessoas - têm lacunas significativas na prestação de cuidados de saúde e serviços para os quais a IA pode desempenhar um papel relevante. Ao mesmo tempo que a aplicação de novas tecnologias, como a IA, trazem esperança aos benefícios ao SUS, há preocupação sobre o crescimento desordenado da tecnologia, caso não seja acompanhada de questões como respeito aos direitos humanos e princípios éticos. Proteção de dados, privacidade dos pacientes e governança são temas sensíveis que devem ser considerados nos critérios, vieses e princípios empregados na concepção de algoritmos que compõem a IA e diversas plataformas tecnológicas. OBJETIVOS: Analisar o atual cenário de uso da IA na saúde pública brasileira a partir de parâmetros éticos e lançar luz sobre como é possível conciliar os benefícios produzidos ao sistema de saúde com a adoção da IA, mantendo o respeito pela privacidade dos pacientes com o tratamento adequado de dados pessoais. Importa discutir as seguintes questões: proteção e o uso dos dados pessoais; riscos de tendências codificadas na construção de algoritmos de IA; necessidade de responsabilização e prestação de contas por parte de líderes envolvidos nas decisões quanto ao uso da IA no sistema de saúde. DESENVOLVIMENTO: Globalmente, diversos países celebram as possibilidades de uso da IA para melhoria dos seus sistemas de saúde. Todavia, é crescente a preocupação que o seu uso não seja pautado pelo respeito aos direitos humanos e princípios éticos, os quais podem gerar desigualdades abissais entre indivíduos de populações distintas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o documento “Ethics and Governance of artificial intelligence for health” (Nações Unidas Brasil, 2021), relatório global com princípios orientadores que visa “fornecer um guia valioso para os países sobre como maximizar os benefícios da IA, minimizando seus riscos e evitando suas armadilhas”, incluindo alguns dos relevantes princípios éticos a serem observados pelos países na adoção da IA em sistemas de saúde. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a saúde é um direito de todos os cidadãos e dever do Estado e o SUS surgiu com o propósito de universalizar o acesso à saúde, tendo sido concebido para ter competência distribuída e concomitante entre os entes federativos. Importante destacar que os recursos materiais e tecnológicos (hospitais, clínicas, laboratórios, unidades de atenção básica, entre outros) e humanos (profissionais de saúde) estão concentrados nos grandes centros urbanos e nas regiões mais desenvolvidas, refletindo a grande desigualdade econômica do país. A escassez de recursos é considerada um entrave para universalização dos serviços de saúde e fortalecimento dos sistemas de proteção social que alcance todos os cidadãos. MÉTODOS: A pesquisa foi conduzida por meio de revisão sistemática de literatura, abrangendo artigos científicos, orientações de organismos internacionais, relatórios governamentais, estudos sobre ética, a IA e as regulamentações relacionadas com a privacidade e proteção de dados pessoais. A revisão inclui estudos publicados nos últimos cinco anos, com foco em debates sobre a IA, princípios éticos, governança, algoritmos e proteção de dados. Um conjunto de literatura interdisciplinar foi examinado no estudo, incluindo trabalhos de campos da Ciência da Informação, Ciência da Computação, Ciências Biomédicas, Ciências Sociais e Direito. RESULTADOS: O SUS concebido de forma tripartite e descentralizada apresenta características que dificultam controle, privacidade e governança de dados pessoais sensíveis de saúde. Há grande concentração de recursos humanos, materiais e tecnológicos nos grandes centros urbanos, dados pessoais são coletados em redes diversas de instituições públicas e a interoperabilidade entre sistemas, quando existente, é precária, sem contar que o SUS engloba, por meio de convênios, entes privados de assistência à saúde. CONCLUSÃO: O Brasil enfrenta inúmeros desafios para aplicação de IA no SUS, não somente pela sua dimensão, descentralização, discrepâncias de recursos econômicos, tecnológicos e humanos, mas também pela falta de governança para construção de algoritmos de IA. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), inspirada no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia (2016), estabelece princípios para o tratamento de dados pessoais que incluem transparência, segurança, responsabilização e prestação de contas, não discriminação, bem como penalidades para o seu descumprimento. No que diz respeito a legislação específica sobre o uso da IA no Brasil, um projeto de lei está em trâmite no Congresso Nacional, com objetivo de regulamentar sistemas de IA em diversos segmentos. O hiato entre aplicação e regulação de IA impõe: desafios e reflexões sobre riscos no tratamento indevido de dados pessoais sensíveis; riscos de erros e violação de algoritmos; riscos de ausência de proteção de dados (ou proteção inadequada); riscos sobre vieses discriminatórios que possibilitem o aumento da desigualdade social. A mitigação dos mencionados riscos é possível através de governança, responsabilização, prestação de contas, encaminhamentos de adequedas funções dos atores envolvidos no ciclo de vida de algoritmos e ferramentas de IA.
Palavras-chave: Inteligência Artificial; Saúde Pública do Brasil; Privacidade e Proteção de Dados; Direitos Humanos; Princípios Éticos.