Última alteração: 2025-04-10
Resumo
Na era da informação, cresce a preocupação com a desinformação – fenômeno de disseminação de informações falsas e imprecisas nas mídias sociais, baseado na falta de conhecimento do interlocutor que, por sua vez, dá credibilidade ao conteúdo, compartilhando-o, contribuindo assim com o aumento de fake news (RIPOLL; MATOS, 2017). O tema se agrava ao atingir questões de saúde pública, pois, nesse caso, a falta de informação ou a informação incorreta pode afastar pacientes dos programas de conscientização promovidos pelo Ministério da Saúde e levá-los a práticas inadequadas de cuidados em saúde.
As informações científicas, por sua vez, apresentam termos técnicos, linguagem formal ou estrangeirismos, dificultando a compreensão de pessoas com baixa escolaridade, podendo distanciar o sujeito da conscientização sobre os cuidados com a própria saúde.
No Brasil, no que tange à área da Medicina, a Atenção Primária à Saúde (APS) é a principal porta de entrada ao sistema de saúde. Ela encontra-se organizada a partir da estratégia saúde da família (ESF) em que as pessoas são acompanhadas por médico, enfermeiro, cirurgião dentista, técnico em enfermagem e por agentes comunitários de saúde (RODRIGUES; ANDERSON, 2011, p. 22), considerando um território adscrito e com questões socioculturais próprias mesmo localizada dentro de uma mesma cidade ou estado. Dessa maneira, entre os atributos derivados da APS definidos por Bárbara Starfield (2006), a orientação comunitária, orientação familiar e competência cultural são de extrema importância para aproximação e disseminação de informações corretas e de fácil acesso à população cadastrada, também contribuindo no combate às fake news.
As informações em saúde devem levar em consideração a taxa de analfabetismo. De acordo com o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf, 2018), 3 em cada 10 brasileiros são considerados analfabetos funcionais, com dificuldades para reconhecer informações em cartazes e folhetos. Nesse caso, se não é possível compreender o que está escrito, como então é possível garantir que as práticas de cuidado com a saúde serão aplicadas para a prevenção de doenças graves, como o câncer, por exemplo?
A saúde da mulher brasileira de destaca, já que o exame colpocitológico (popularmente conhecido como preventivo ou Papanicolau) é gratuito pelo SUS e poderia reduzir questões relacionadas ao câncer de colo de útero – quarta causa de morte por câncer e a segunda neoplasia mais incidente, superada somente pelos tumores da mama (INCA, 2021). No entanto, Santos, Silveira e Rezende (2019) alertam que a não adesão ao exame, instituído no país na década de 1980 para rastreio do câncer de colo de útero, é encontrada principalmente entre as mulheres com baixa escolaridade. Entre outros motivos estão a falta de tempo, a vergonha e as crenças (SOUZA et al., 2013 apud SANTOS; SILVEIRA; REZENDE, 2019).
Diante desse fenômeno social, compreendemos que a Linguagem Simples – técnica de comunicação que visa a transmissão da informação de forma clara e objetiva, tornando-a mais fácil de ser compreendida, por meio de recursos verbais e não verbais como diagramação e design da informação (FISHER, 2021) – pode contribuir para que campanhas publicitárias, materiais explicativos e abordagens em saúde sejam melhor compreendidos por esse público-alvo – os cidadãos de baixa escolaridade.
Estudos cognitivistas sobre metáforas em saúde (VEREZA, 2020) evidenciam a recorrência de metáforas como: vacinas são armas, profissionais de saúde são heróis, profissionais de saúde são soldados. A percepção da saúde por meio do cenário de guerra também pode ser apontada como mais uma hipótese para o distanciamento da mulher da Atenção Primária à Saúde (APS).
Com base no exposto, o objetivo deste trabalho é analisar materiais informativos do Ministério da Saúde sobre prevenção do câncer de colo de útero à luz da Linguagem Simples, a fim de identificar os elementos que podem prejudicar a clareza da informação. Pretendemos, ainda, identificar nesses materiais metáforas conceptuais (LAKOFF; JONHSON, 1980) e os sentidos evocados para prevenção em saúde, a fim de minimizar crenças negativas, refletir sobre abordagens alternativas e recategorização, aproximando as mulheres ao cuidado em saúde.
Trata-se de um trabalho com abordagem transdisciplinar, amparado nos estudos sobre linguagem simples, desinformação e fake news da Ciência da Informação e também nos conceitos de metáfora e recategorização da linguística cognitiva. Segundo esta, o sistema conceptual humano é fundamentalmente metafórico (LAKOFF; JONHSON, 1980), sendo os conceitos mais abstratos compreendidos em termos dos conceitos mais concretos. Embora as metáforas não sejam diretas, elas viabilizam a compreensão de termos mais técnicos em saúde, como a metáfora anticorpos são soldados, que ajuda a compreender que os anticorpos atuam na defesa do corpo. Nesse ponto, as metáforas corroboram com o objetivo da linguagem simples.
A categorização, por sua vez, é uma estratégia de referenciação derivada da relação do sujeito com o seu meio social, em que os significados são construídos e negociados pela percepção e interação do sujeito com o mundo (GONÇALVES, 2012). A pandemia foi um fenômeno marcado por recategorizações como a ideia de afeto, em que a noção de proximidade deu lugar ao distanciamento e as máscaras passaram a ser sinal de afeto com o próximo (DECCO, 2022).
Tomaremos como base o método aplicado pelo laboratório de inovação do governo da Prefeitura de São Paulo, que engloba uma investigação de fatores linguísticos que podem prejudicar a compreensão dos textos, além da simplificação do documento selecionado. Serão identificados os seguintes aspectos: público-alvo, clareza da mensagem, possíveis metáforas englobadas, terminologias utilizadas, organização/ estrutura da mensagem, formatos e suportes visuais utilizados. Dessa forma, pretendemos mapear informações incompreensíveis, parágrafos longos, frases na ordem indireta, palavras desconhecidas ou estrangeirismos, termos técnicos, substantivos abstratos e presença de elementos visuais e sua contribuição para a construção do sentido da mensagem. Nosso intuito com essa análise é quantificar esses elementos para propor reflexões e sugestões para que a escrita seja também um diálogo com cidadania.
Os resultados apresentados englobam o mapeamento de elementos linguísticos que contribuem para a incompreensão de mensagens sobre a prevenção ao câncer de colo de útero em materiais divulgados pelo Ministério da Saúde, bem como a sinalização de metáforas envolvidas no campo da saúde como ferramentas de conscientização da população. Além disso, o trabalho também apresenta como resultado uma proposta para reformulação desses materiais de divulgação com Linguagem Simples e com metáforas que contribuem para a aproximação do sujeito aos cuidados com a saúde.
Em suma, este trabalho pretende estabelecer um diálogo entre os conhecimentos da área da linguagem com as informações em saúde, com vistas a contribuir socialmente para a melhora da qualidade de vida e prevenção de doenças das mulheres.
Palavras-Chave: Linguagem simples. Informação em Saúde. Câncer de colo de útero.
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