Faculdade de Letras da Universidade do Porto - OCS, V Workshop de Pós-Graduação em Ciência da Informação

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Usabilidade do serviço «e-fatura»: um estudo exploratório com seniores
Typhanie Macedo

Última alteração: 2018-10-29

Resumo


Introdução: A proporção de população com mais de 65 anos aumentou de 9% em 1960 para 17% em 2015 e espera-se que atinja os 28%, em 2050 (OCDE, 2017). A tecnologia da informação e comunicação (TIC) trouxe benefícios para as comunidades com população sénior, uma vez que, permitiu que estes permanecessem mais tempo independentes, contudo ainda existe uma subutilização das TIC pelas pessoas idosas (Niehaves & Plattfaut, 2014). Uma das razões para este facto prende-se a uma atitude ambivalente dos seniores: por um lado reconhecem que pode ajudar na própria independência, e por outro lado, sentem que não necessitam da tecnologia (Peek et al., 2014). A maior parte dos sistemas computacionais apresentam desenhos de interface para um utilizador experiente e jovem, o que dificulta a utilização pelos seniores (Gregor, Newell, & Zajicek, 2002). Tem surgido várias investigações feitas em contexto de utilização das TIC pelos seniores que permitem definir guias de usabilidade para a construção de Websites de possível uso pelos idosos (Ferreira, 2013). No entanto, uma grande parte dos websites não segue estas diretrizes de usabilidade, dificultando o seu uso, especialmente pelas pessoas idosas. Face a este cenário, a literatura refere que é fundamental que o processo de design das interfaces utilize uma abordagem centrada no utilizador, para que seja mais fácil a sua utilização (Zaphiris & Ghiawadwala, 2005) (Fisk, Rogers, Charness, Czaja, & Sharit, 2009). O artigo 2º da portaria nº385-H/2017 refere que todos os contribuintes são obrigados a entregar o seu IRS por via eletrónica a partir do 1 de janeiro de 2018 (Governo, Estado, Veiga, & Mendes, 2018). Entretanto, em 2017 60% dos indivíduos entre os 65 e 74 anos nunca tinham utilizado um computador e em Portugal, apenas 28% da população entre os 65 anos e os 74 anos tinham utilizado a internet em 2016 (INE, 2016).

Objetivo: O objetivo desta investigação foi verificar se o serviço «e-fatura» é possível de ser usado pela população sénior. Os objetivos específicos foram: 1) Identificar as dificuldades dos seniores na utilização do website no serviço «e-fatura»; 2) Avaliar a usabilidade do website no serviço «e-fatura»;

Metodologia: Trata-se de um estudo exploratório centrado numa abordagem metodológica de natureza qualitativa. O estudo foi realizado com uma amostra por conveniência de três seniores, sendo que duas são mulheres. Os critérios de inclusão definidos foram: idades compreendidas entre os 65 e 80 anos, que nunca tivessem validado faturas e detentores de senha de acesso. Excluíram-se os participantes que apresentassem défices cognitivos e motores e que não soubessem ler e escrever. Para realizar-se este estudo, os seniores estiveram em contacto com um computador, com o browser aberto na página «e-fatura», que é o serviço que deve ser acedido para realizar-se a validação de faturas. A recolha de dados decorreu a junho de 2018, no distrito de Braga, e foi feita através da observação participativa do avaliador. Previamente à recolha de dados, os participantes receberam informação verbal sobre o propósito do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e informado. Para atingir os objetivos da investigação, os participantes realizaram as seguintes tarefas propostas pelo avaliador: 1) Entrar no «e-fatura» através do NIF e senha de acesso; 2) Ir até à página de validar faturas, clicando em “Complementar Informações Fatura”; 3) Validar três faturas e “Guardar”. Antes da realização de cada tarefa, o avaliador deu instruções/orientações objetivas sobre o que deveriam executar. O instrumento utilizado para recolher os dados foi uma grelha de observação, desenvolvida pelo avaliador e preenchida no final de cada experiência. A grelha de observação contém 4 parâmetros: 1) conclusão das tarefas propostas, classificadas em: “Com sucesso”, “Parcialmente concluída” ou “Não concluída”; 2) tempo para completar a tarefa; 3) pedidos de ajuda feitos pelo sénior; 4) dificuldades dos seniores. Para analisar os dados obtidos na experiência, procedeu-se à análise da grelha de observação de cada participante, utilizando-se as heurísticas definidas por Zaphiris et al. (Zaphiris & Ghiawadwala, 2005).

Apresentação dos resultados: Cada sénior participante foi designado por uma letra – A, B e C. Os seniores A e B nunca utilizaram um computador e o sénior C apenas utilizou para efeitos da profissão. A tarefa 1 foi classificada como parcialmente concluída, com duração média de 7 minutos. Foram efetuados 5 pedidos de ajuda. As dificuldades identificadas foram: os seniores tiveram dificuldades em inserir o NIF e a senha de acesso nos respetivos campos da página, porque a área clicável não era clara; também clicaram noutras opções, nomeadamente em ícones sem funcionalidade e em ícones decorativos da página para tentar inserir os dados; os seniores não reconheceram a palavra “Autenticar”, que aparece num retângulo imediatamente abaixo dos campos NIF e senha de acesso e com destaque azul, e também foi notório que estes não perceberam que o facto de clicarem nessa opção permitiria o acesso à sua página pessoal. A tarefa 2 foi classificada como parcialmente concluída, com duração média de 4 minutos. Foram efetuados 3 pedidos de ajuda. As dificuldades encontradas foram: não encontrar a opção “Complementar Informação Faturas”, na barra de menus; as mensagens da página pessoal, que apareciam num retângulo mais claro, foram lidas com bastantes dificuldades e o seu significado foi impercetível pelos participantes; o sénior C, na tentativa de clicar na área devida, passou o cursor por cima da barra de menu, que apresentou um menu “pull down”, ocultando a caixa “Complementar Informação Faturas”. A tarefa 3 foi classificada como parcialmente concluída, com duração média de 12 minutos. Foram efetuados 5 pedidos de ajuda. Como dificuldades, os seniores não sabiam que a coluna da esquerda era a apresentação das próprias faturas e os nomes das mesmas não correspondiam ao nome conhecido pelos participantes; a simbologia dos ícones das faturas não foi reconhecida por nenhum sénior e foi difícil a leitura da legenda; os seniores não associaram o ato de validar uma fatura ao clique no ícone correspondente; nenhum sénior percebeu que era possível fazer scroll na página para visualizar as restantes faturas, assim como não reconheceram a palavra “Guardar” para registar as alterações efetuadas.

Discussão dos resultados:

As heurísticas utilizadas na avaliação dos passos executados na tarefa 1 pertencem às categorias: Design de áreas de interação, Uso de elementos gráficos, Navegação e Uso de cor e fundo. Identificou-se após analise que: a página não fornece dicas de navegação para os seniores porque eles não compreenderam que tinham de clicar num campo específico para poder escrever o seu NIF e senha de acesso, e não foi dado feedback quando os seniores clicaram na área pretendida; são pouco evidentes os campos de preenchimento das suas informações, devido à falta de contraste de cores entre o fundo e as letras e da existência de elementos gráficos sem funcionalidade; notou-se também que a palavra “Autenticar” está inserida num retângulo de cor azul, que é uma cor que deveria ser evitada em websites usados pelos seniores.

As heurísticas utilizadas na avaliação dos passos executados na tarefa 2 pertencem às categorias: Navegação, Design do conteúdo de layout e Uso de cor e fundo. Após a análise identificou-se que: o sénior C deparou-se com o menu “pull down”, que tornou a procura pela área “Complementar Informação Faturas” mais difícil porque o menu sobrepôs-se à informação pretendida pelo sénior; as mensagens na página pessoal não apresentam contraste suficiente para os seniores, as letras apresentam-se num tamanho muito pequeno e a linguagem não é simples e clara para a compreensão dos participantes.

As heurísticas utilizadas na avaliação dos passos executados na tarefa 3 pertencem às categorias: Design de áreas de interação, Navegação, Características da janela de browser, Design do conteúdo do layout, Uso de cor e fundo e Design do texto. Após a análise identificou-se que: a barra de scroll confundiu os seniores porque desconheciam a existência de outras faturas para validar além das que estavam visíveis na página; apesar dos ícones de associação das facturas terem um significado simples, a cor destes não era suficientemente contrastante com o fundo e os seniores, ao passar o cursor por cima, tinham dificuldade em ler a legenda por causa do tamanho reduzido; para além disso os ícones encontravam-se numa área clicável muito pequena de modo que os participantes clicaram em ícones errados quando tentavam focar-se no ícone pretendido; por fim, demoraram muito tempo para encontrar a palavra “Guardar”, visto que esta se encontrava numa área destacada a verde, outra cor a ser evitada nos websites usados pelos seniores.

Conclusão: O serviço «e-fatura» é muito difícil de ser usado pela população idosa. As dificuldades apresentadas e experienciadas pelos seniores poderiam ser evitadas, assim como o tempo despendido e os pedidos de ajuda em cada tarefa poderiam ser diminuídos, caso o website tivesse tido em conta as linhas orientadoras de usabilidade da web definidas por Zaphiris et al. (Zaphiris & Ghiawadwala, 2005), usadas na avaliação do mesmo. Posto isto, o serviço «e-fatura» não é considerado “amigo dos seniores” porque possui erros que aumentaram as dificuldades dos seniores em utilizar o website.

Referências:

Ferreira, S. (2013). Tecnologias de informação e comunicação e o cidadão sénior - Estudo sobre o impacto em variáveis psicossociais e a conceptualização de serviços com e para o cidadão sénior.

Fisk, A., Rogers, W., Charness, N., Czaja, S., & Sharit, J. (2009). Involving Older Adults in Research and Usability Studies. In Designing for Older Adults: principles and creative human factors approaches (2nd ed., pp. 171–178).

Governo, M., Estado, D., Veiga, M., & Mendes, M. (2018). Rendimento de Pessoas Singulares ( Código do IRS ), (16), 16–52.

Gregor, P., Newell, A. F., & Zajicek, M. (2002). Designing for dynamic diversity. Proceedings of the Fifth International ACM Conference on Assistive Technologies  - Assets ’02, 151. https://doi.org/10.1145/638249.638277

INE. (2016). Sociedade da informação e do conhecimento. Inquérito à utilização de tecnologias da informação e da comunicação pelas famílias., 1–10. Retrieved from https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=250254698&DESTAQUESmodo=2

Niehaves, B., & Plattfaut, R. (2014). Internet adoption by the elderly: Employing IS technology acceptance theories for understanding the age-related digital divide. European Journal of Information Systems, 23(6), 708–726. https://doi.org/10.1057/ejis.2013.19

OCDE. (2017). Health at a Glance 2017: OECD Indicators. https://doi.org/10.1787/health_glance-2009-en

Peek, S. T. M., Wouters, E. J. M., van Hoof, J., Luijkx, K. G., Boeije, H. R., & Vrijhoef, H. J. M. (2014). Factors influencing acceptance of technology for aging in place: A systematic review. International Journal of Medical Informatics, 83(4), 235–248. https://doi.org/10.1016/j.ijmedinf.2014.01.004

Zaphiris, P., & Ghiawadwala, M. (2005). Age-centered Research-Based Web Design Guidelines, 1897–1900.